sábado, 16 de setembro de 2017

Beach Rats (2017)

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Beach Rats de Eliza Hittman é uma longa-metragem norte-americana presente na Competição Oficial da vigésima-primeira edição do QueerLisboa - Festival Internacional de Cinema Queer que decorre no Cinema São Jorge, em Lisboa até ao próximo dia 23 de Setembro.
Frankie (Harris Dickinson)  é um adolescente à deriva que tenta descobrir a sua identidade sexual ao mesmo tempo que vive um drama familiar devido à débil condição de saúde do seu pai. Numa rotina que gira em torno das saídas com os seus amigos de Brooklyn, uma potencial nova namorada e os encontros com homens mais velhos que marca online, Frankie tenta desesperadamente encontrar um lugar... que pode não chegar.
Também com um argumento da autoria de Eliza Hittman, Beach Rats foi o vencedor do prémio de realização da última edição do Festival de Sundance, girando em torno da história de um jovem que tenta desesperadamente encontrar o seu verdadeiro "eu" conseguindo, dessa forma, sobreviver àquela idade de uma incerteza que é não só enquanto o indivíduo que é mas também a propósito da sua sexualidade e necessidades afectivas. A existência de "Frankie" resume-se a uma aparente despreocupação enquanto passeia por Brooklyn com os amigos - todos potenciais marginais - e consome qualquer tipo de droga que consegue roubada dos medicamentos do pai. A pressão dos pares e uma irmã para quem a expressão da sua vida sentimental e, de certa forma, sexual parece ser tão simples, fazem de "Frankie" um jovem adulto cuja existência se limita à omissão, à mentira, à repressão e, essencialmente, a uma involuntária regressão de personalidade que lentamente o confinam a uma auto-violência emocional.
No entanto, "Frankie" encontra uma escapatória para este seu drama quando começa a seduzir homens mais velhos - aqueles que, segundo ele, não conhecem ninguém do seu círculo de amigos - e com quem pode livremente expressar a sua sexualidade. Mas, aquilo que aparentava ser o escape perfeito para a sua sexualidade cedo se transforma numa prisão na medida em que tem de continuar a esconder-se do mundo e viver uma fachada... enquanto a luz do sol brilha. Os encontros são sempre anónimos, em locais desertificados e inicialmente a troca de alguma droga que consome como que utilizando uma desculpa para poder manifestar os seus desejos e expressar os tais sentimentos que o "mundo" desconhece. No entanto, e à medida que o cerco social - mãe, namorada e amigos - aperta, impossibilitando-o de continuar a viver esta existência dupla, "Frankie" terá de perceber que para lá das condicionantes que o rodeiam, aquilo que o define não é a imagem que os outros têm de si mas aquela que ele é capaz de suportar cada vez que olha para o espelho.
Da pressão de pares exercida por aqueles com quem convive mais tempo mas que não passa de uma amizade por conveniência - drogas e mulheres que se tentam encontrar diariamente - à pressão efectuada (de certa forma...) pela imagem que lhe foi incutida de normalidade - homem encontra mulher - "Frankie" desespera silenciosamente como que de uma luta pela sua própria sobrevivência se tratasse. Conseguirá ele alguma vez fazer co-existir estes dois traços da sua personalidade e sexualidade ou, por sua vez, terá ele de (se) assumir ao mundo quem realmente é? Os breves instantes em que ele observa a sua irmã mais jovem nos primeiros actos de uma paixoneta e sente que tudo é tão fácil para ela enquanto que o próprio percebe que tem primeiro de respeitar a imagem social que dele foi criada e só na sombra poder ser livre e quem realmente é, transformam-no em alguém que se auto-mutila psicologicamente apenas para manter aquilo que as aparências (pensa) pedem.
Harris Dickinson - o jovem "Frankie" - dá corpo a toda esta dualidade (e duplicidade) de momentos, sentimentos, expressões e manifestações de uma juventude que tem não só de sobreviver enquanto indivíduo mas também perante os seus pares sociais e grupos primários exaltando com a sua personagem uma intensidade dramática e individual dignas de registo para quem tem (ainda!) um tão jovem percurso enquanto intérprete deixando adivinhar aquilo que de bom ainda o espera. Aqui, o espectador vibra não só com o seu drama silenciado de jovem incapaz de fazer seguir a sua vida em total liberdade, como também pela incapacidade que sente - ou reprime?! - ao perceber que tudo é (para os demais) bem mais simples, menos questionado e igualmente pouco esperado. Tudo é "normal" para os demais... porque não poderá ser para ele? Ainda que pouco explorado em Beach Rats, existe todo um drama familiar que ficou por abordar sendo que, no entanto, percebemos aquando do início da sua breve relação com "Simone" (Madeline Weinstein) que dele se espera que a relação seja tão parecido com aquela que os seus pais tiveram... A pressão, ainda que pouco dinamizada neste guião, sente-se e Dickinson consegue recriá-la por breves mas intensos apontamentos que o seu olhar deixa escapar durante os mesmos.
Finalmente, e também como um apontamento breve de Beach Rats, Hittman deixa passar a ideia de que é nesta era global e informatizada onde tudo está ao alcance de um simples click num computador, que as relações humanas se tornam mais complexas, menos vividas e sentidas e assumidamente mais impessoais. As pessoas encontram-se pelo único instante de prazer imediato que sabem que esse encontro irá proporcionar, e muito pouco preocupadas com aquilo que a longo prazo dali podem retirar - que será nada graças ao seu imediatismo -, desumanizando o contacto, tornando-o semi-animalesco e impessoal... mas sobretudo anónimo... os nomes tornam-se secundários e o indivíduo irrelevante... hoje um... amanhã outro. Num mundo onde tudo se pode ter e conhecer... permanece a questão sobre se realmente se tem e conhecer algo ou alguém?!
Numa atmosfera muito século XXI e na intensidade de um qualquer Verão que parece ser o marco de um fim e de um (talvez não) tão novo início, Beach Rats tem ainda uma magnífica direcção de fotografia de Hélène Louvart que parece desumanizar os intérpretes e os espaços conferindo-lhes uma dinâmica de um constante anonimato nem sempre involuntário e uma música de Nicholas Leone que - essa sim - consegue criar a tal atmosfera destes anos dois mil que, por instantes, parece que o espectador desconhece.
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8 / 10
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