quinta-feira, 6 de abril de 2017

Nenhum Nome (2010)

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Nenhum Nome de Gonçalo Waddington é uma curta-metragem portuguesa de ficção que conta a história do internamento de um homem após ter sofrido um acidente de automóvel e por quem a enfermeira que lhe dá assistência, desenvolve uma relação marcante mas, ao mesmo tempo, impessoal.
Sem qualquer tipo de diálogo, aliás, o único que se escuta está distorcido de forma a ser incompreensível, Nenhum Nome é uma curta-metragem para a qual o espectador terá de utilizar os seus demais sentidos principalmente a visão. Tudo deve ser observado... desde a forma como o homem que sofreu um acidente observa os primeiros instantes em que chega ao hospital ou até mesmo a forma impessoal com que este se apresenta distanciando os seus funcionários dos quais se destaca a enfermeira interpretada por Carla Maciel. A perspectiva de espaço entregue pela sua personagem é fundamental para que o espectador tenha uma percepção de que esta mulher, grávida de vários meses, se encontra num cruzamento entre a vida (que carrega) e a morte que a rodeia percorrendo de forma anónima e sem qualquer identidade todos aqueles corredores com inúmeras histórias sem nome - talvez uma alusão ao anonimato com que ela e aqueles que ajuda a curar se relacionam - revelando, no fundo, que todos estão relativamente abstraídos das demais realidades que presenciam diariamente.
Por outro lado, há pequenos indícios de que estas duas presenças sejam mais do que meros anónimos. Nenhum Nome inicia e termina de igual forma... com uma viagem por uma estrada numa noite escura. Uma viagem que parece não ter fim mas cujos viajantes se conhecem. Marido e mulher? Será aquele homem ali coberto de ligaduras o pai da criança que aquela enfermeira gera? Será ela a outra ocupante do automóvel? Será aquele hospital aparentemente desprovido de outros pacientes um purgatório - em terra?! - que os faz aguardar para uma nova passagem para outro lugar? Ali não existem nomes... nem pessoas... nem histórias... nem indícios de vida para lá da destas duas personagens. Nada indica que outros ali recorram ou sequer que ali estejam e apenas a chegada de um paciente faz adivinhar que estamos num hospital - com um breve cameo de Waddington - onde estas almas repousam, trabalham... ou esperam?
Com um intenso desempenho de Carla Maciel como uma mulher presa num limbo entre a vida e a morte (pensamos!), que faz tremer pelos seus silêncios e é cortante pelo seu olhar que penetra a alma de quem (a) vê, e uma direcção de fotografia de Carlos Lopes que "submerge" o espectador num ideal de purgatório - ou sala de espera?! - transformando aquilo que poderia ser um hospital numa superfície sem alma - ou por onde as almas caminham - fazendo apenas cruzar aquelas que (se) esperam por embarcar numa qualquer outra viagem... de carro rumo ao infinito, talvez!
Marco Martins e Gonçalo Waddington criam assim a história perfeita para o espectador contemplar. O que existe (ou existirá) para lá de uma presença terrena que pode terminar a qualquer momento? Iremos lá encontrar alguém que possamos reconhecer facilmente? Será que estamos realmente nesse outro universo que ninguém pode ou consegue descrever ou apenas num qualquer hospital onde se tenta recuperar de um inesperado acidente? Terá existido acidente? Estaremos à porta da morte? Continuará a existir vida para lá destas existências?
Entre o contemplativo e uma interpretação magistral de Carla Maciel, seria impossível esquecer e não mencionar a brilhante direcção de um magnífico actor que é Gonçalo Waddington que coloca os seus actores no centro de uma história dada à imaginação e à suposição dos seus espectadores, que transforma o ambiente real num potencial imaginado sem esquecer que tem uma história por contar e que (lhe) permite, pela sua incerteza, viajar pela imaginação mais ou menos "provocada" do espectador, por domínios que desconhece mas que acabam por se encontrar no tal "imaginado" de cada um de nós.
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8 / 10
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