sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Mia Madre (2015)

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Minha Mãe de Nanni Moretti é uma longa-metragem italiana de ficção presente no dia de abertura desta edição do LEFFEST - Lisbon & Estoril Film Festival que hoje se inicia prolongando-se até ao próximo dia 15 de Novembro em várias salas de cinema de Lisboa, Estoril e Cascais.
Margherita (Margherita Buy) é uma realizadora cinema no meio de uma crise existencial ao mesmo tempo que tem de lidar com a inevitável - e próxima - morte da sua mãe e terminar as gravações do seu mais recente filme.
Depois de em 2011 ter dirigido Habemus Papam, Nanni Moretti regressa com este Mia Madre numa história que cruza a crise - social e existencial-, a solidão e a perda. "Margherita" é uma mulher empenhada no seu trabalho enquanto realizadora mas, ao mesmo tempo, atravessa uma complicada fase onde se questiona sobre as suas escolhas e opções profissionais que parecem não responder à eterna questão de se terá ou não sido bem sucedida com o que faz. Afectivamente distanciada de todos aqueles que cruzaram a sua vida, desde relações sentimentais, amantes, amigos e eventualmente até da própria filha que passa boa parte do seu tempo com o pai, "Margherita" é agora uma mulher de meia idade que sente não ter cumprido nenhuma missão, nenhuma obra ou nenhuma marca que comprove a sua existência e a sua passagem. De todos os momentos, é quando a sua debilitada mãe lhe pergunta como pode ela fazer filmes sobre a desgraça e o infortúnio dos demais que melhor caracterizam este momento e que possivelmente assinalam a sua percepção de "o que é preciso cumprir" para fazer crer que existe.
Ao mesmo tempo que "Margherita" vive este seu drama existencial em que se questiona sobre o "eu", é a relação com "Ada" (Giulia Lazzarini), a sua mãe, que melhor a fazem compreender que em comparação as duas vidas representam marcos distantes de plenitude. Enquanto verbaliza memórias dispersas de um passado vivido, "Ada" tece os mais eloquentes registos do seu passado, da sua memória que subsiste e que viveu e experimentou com certezas enquanto que a filha debate-se com que tipo de memória existirá nela junto daqueles com quem "viveu". Mais tarde, já depois da confirmação da morte de "Ada", é que "Margherita" e "Giovanni" (Nanni Moretti) confirmam a abismal diferença das suas vidas em comparação com a sua progenitora ao perceber que os seus antigos alunos continuavam anos depois a visitá-la, a privar com ela e a conversar sobre os mais diferentes assuntos encarando-a como a mãe com quem muitos desabafavam sobre a vida e o mundo ou até mesmo sobre assuntos banais e inconsequentes. Dito isto, como poderão eles consolidar a vida profissional com uma inevitável tragédia com que todos se defrontam como é o caso da morte para a qual não há qualquer tipo de solução?
Se toda esta dinâmica da memória passada e aquela que o momento actual pode gerar para o futuro são uma constante na relação mãe e filha - na percepção da primeira e na constatação do legado da última -, não é menos verdade que ao mesmo tempo esta história coloca em plano central a dinâmica da perda. Como se lida com a perda daqueles que mais amamos... Será mais fácil lidar com ela se nunca criarmos nenhum tipo de elo ou ligação com os demais?... Seremos mais felizes vivendo com relações ocasionais e inconsequentes? E essencialmente como lidar com a dor que essa tal perda provoca. No final "Margherita" é obrigada a perceber que não é a morte que representa uma etapa mas sim a vida que é todo um processo de transformação de um ponto para o outro. Processo esse que pode significar a diferença para aqueles com quem são estabelecidas ligações mais ou menos esporádicas e que num expressivo ciclo poderá esse outro ser - ou não - transformado. Dito isto, qual será então o seu contributo para este "mecanismo" de transformação que é a vida?!
Finalmente existe ainda outra dinâmica presente em Mia Madre, ou seja, o papel e a importância da memória enquanto registo colectivo de experiências. Se para "Ada" esta é o registo das suas experiências e para os seus antigos alunos a importância que estas lhe deixaram aquando da sua transmissão, e se para "Margherita" é o dilema de qual será o seu contributo para a mesma, para "Barry" (John Turturro), o descontrolado actor do seu filme, a representação da memória chega sob a forma de uma doença que o faz esquecer aqueles com quem se cruza tendo, para tal, que recorrer a pequenas notas informativas sobre todos aqueles com quem é obrigado a conviver diariamente dentro ou fora do seu trabalho.
Depois de La Stanza del Figlio (2001), Mia Madre - que se note a referência ao elo familiar - é o mais pessoal e intimista filme de Moretti ao colocar de forma cândida e receptiva a questão da dor, de como cada um consegue lidar com ela ou sentir a sua manifestação sem nunca saber como, quando e onde esta se irá fazer anunciar. E se no primeiro filme esta é representada através da morte não anunciada de um filho que deixa todo um legado por viver, em Mia Madre é a sua manifestação inversa ao serem os filhos a ultrapassar - ou tentar - a morte de uma mãe que teve uma vida plena de momentos e significados, e tem em Margherita Buy - vencedora do David da Academia Italiana de Cinema - um dos seus momentos de glória por representar na perfeição uma mulher desligada do (seu) mundo mantendo com ele apenas a interacção essencial para saber que se encontra "lá" e que no final, já depois de tudo concluído e efectivado, fica sem saber - ou ter planos para - o seu dia de "amanhã".
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"Margherita: Mama che sia pensando?
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Ada: A domani."
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9 / 10
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