sexta-feira, 10 de abril de 2015

El Hombre de al Lado (2009)

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El Hombre de al Lado de Mariano Cohn e Gastón Duprat é uma longa-metragem argentina que abriu o segmento do País Convidado - a Argentina - nesta sexta edição do FESTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa que se irá prolongar até ao próximo dia 15 de Abril no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Leonardo (Rafael Spregelburd) é um arquitecto e professor de sucesso que vive no único exemplar na América Latina de uma obra de Le Corbusier. Com uma vida aparentemente intocável e perfeita, Leonardo sente-se pela primeira vez ameaçado aquando da chegada de Victor (Daniel Aráoz), um novo vizinho especialmente quando este decide abrir no seu apartamento uma janela com vista para a sala do arquitecto.
A relação entre os dois homens vive então momentos de uma tensão calma que vai, no entanto, demonstrar a essência de cada um deles.
O brilhante argumento de Andrés Duprat vai muito para além de uma mais ou menos "simples" relação tensa entre dois "novos" vizinhos. Os pequenos e por vezes subtis detalhes que El Hombre de al Lado nos oferece revelam que existe muito para lá do que os nossos olhos inicialmente captam. Começando pelo início, fica claro que estamos perante dois homens que representam lados opostos de uma mesma sociedade. Enquanto "Leonardo" demonstra ser um homem bem sucedido profissional e financeiramente, não é menos verdade que "Victor" demonstra ser um homem remediado e que passou pela vida com algumas dificuldades mas, no entanto, funcionam no sentido inverso naquilo que diz respeito às suas famílias. Se a do arquitecto demonstra ser uma família disfuncional que co-habita no mesmo espaço sem que na realidade convivam e privem dos mesmos gostos ou tão simplesmente de uma conversa banal, "Victor" revela ser um homem atento à sua família que cuida de um tio mentalmente afectado e com um respeito enorme pela memória de uma mãe que já não tem. Se a ascenção profissional de um é sentida, não é menos verdade que o seu lado afectivo e sentimental são proporcionalmente vazios.
Mas as surpresas do argumento de Duprat não terminam por aqui pois de forma ainda mais súbtil aborda temáticas tão perniciosas como o abuso de poder de um professor que pensa poder insinuar-se às alunas que vêem nele um mestre fazendo com o que o espectador nutra cada vez menos simpatia por este homem que poderia ser uma referência na sociedade ou pior ainda quando descobrimos que o simpático e justo "Victor" - por quem involuntariamente se começa a nutrir alguma empatia graças à sua simplicidade - poderá ser um predador que espreita para lá da potencial janela que iniciou toda a discórdia entre os dois homens ao tentar - também ele subtilmente - seduzir a jovem filha de "Leonardo" com o pequeno "espectáculo de teatro" que faz para a criança. O mesmo "Victor" que aos poucos se revela misterioso e por vezes assustador ao tecer pequenos comentários que nos fazem equacionar quem será aquele homem em cuja casa nunca entramos não obtendo mais do que aquilo que a janela permite ver... e as imagens finais, também elas com a sua ambiguidade, demonstram que o próprio espreitava para lá do permitido. É então que percebemos que se não conseguimos criar nenhum tipo de empatia com "Leonardo", não será menos verdade que esta também se mostra improvável com um desconhecido "Victor".
No final deparamo-nos com uma questão quase moralmente existencialista ao assistirmos àquilo que no fundo irá caracterizar os dois homens. Se um é espontâneo e tenta desesperadamente criar laços de amizade com alguém que se assume arrogante e pretencioso, não é menos verdade que todos os seus comportamentos "escondidos" nos deixam dúvidas quanto ao seu real carácter. Dito isto, é o próprio que entra em casa do arquitecto e impedir um assalto que poderá pôr em risco não só a sua vida como a da criança que lá encontra; conseguimos ter agora alguma empatia por este homem que poderá ser um potencial predador? Mas, é ao assistirmos ao outro lado que deixamos de ter qualquer dúvida quanto à moralidade dos dois homens. É quando um ferido "Victor" espera por um auxílio voluntariamente negado por "Leonardo" que percebemos que o ambiente está podre e contaminado por uma sociedade que privou os dois de valores morais maiores e que no fundo condenam os dois à sua própria extinção... a de "Victor" através da sua própria morte e a de "Leonardo" por ser um pária junto da sua própria família.
Pelo caminho o espectador esquece-se do mais importante, ou seja, que é também ele parte desta acção que decorre a ritmo lento e quase mórbido ao tornarmo-nos um observador participante e assumidamente voyeurista que deseja pela próxima imagem onde algum maior detalhe seja revelado sobre a vida destes dois homens que de moralmente sãos nada tem.
Ainda que por vezes difícil de acompanhar o seu passo, El Hombre de al Lado é um espectáculo de dois homens - Spregelburd e Aráoz - que juntos não conseguem fazer o indivíduo perfeito estando ambos cheios de defeitos e lacunas que são, possivelmente, o resultado de uma sociedade perdida na sua própria individualidade e que, como tal, esqueceu princípios básicos como o da solidariedade, o do respeito e o da honra... nenhum deles presente nestas duas personagens que encarnam e que, como tal, anunciam a sua própria destruição.
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