sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Pela Boca Morre o Peixe (2014)

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Pela Boca Morre o Peixe de João P. Nunes é uma curta-metragem portuguesa de ficção e a vencedora do Prémio MOTELx de Melhor Curta-Metragem Portuguesa de Terror da última edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa.
Miguel (Miguel Sá Nogueira) dedicou anos à pesca ilícita tornando-o famoso no seu círculo com o qual partilha um conjunto de obsessivas paixões grotescas. No entanto, é no dia em Miguel é mordido por uma das suas presas que a sua vida ganha uma nova perspectiva onde a mutação é não só psicológica como principalmente física tendo consequências assumidamente catastróficas.
A curta-metragem de João P. Nunes - também autor do argumento em parceria com Pedro Barão - que agora está em competição no Shortcutz Xpress Viseu capta no seu estilo muito próprio o ambiente de The Fly, de David Cronenberg logo de imediato graças à personagem central ser um homem aparentemente solitário e sem qualquer aparente sólida ligação a terceiros a viver num local sem qualquer traço identificativo da sua personalidade assim como pela sua evidente transformação que aos poucos se confirma.
Num ambiente que é desde o primeiro instante tão soturno quanto decadente, o espectador entra naquilo que se pressente um espaço alternativo, com pessoas igualmente bizarras cujo único propósito parece querer cumprir um qualquer devaneio muito próximo do carnal e que lhes garante uma satisfação física.
"Miguel" um homem que seduz pela sua entrega e dedicação a este prazer ilegal, é um homem completo no seu espaço, intrigante pelo círculo de "amigos" que mantém e suspeito pelo seu aparente aspecto angelical. Neste meio que é reservado a poucos - talvez aqueles que exibam posses capazes de satisfazer o seu desporto - percebemos que ele é um ás que se orgulha dos registos que mantém da sua "actividade"... talvez o melhor do grupo e aquele que sempre cumpre com os seus objectivos. Os demais - meros carnívoros desejosos do próximo saque - ostentam uma decadência que os transforma em seres pouco racionais e que apenas mantém esta "amizades" por ser a única forma de manterem o seu capricho num vício que é proibido. Personagens animalescas e sem princípios latentes todos, sem excepção, destacam-se pelos seus comportamentos pré-formatados como dependentes da próxima dose que lhe garanta uma tranquilidade ainda que possa ser apenas momentânea. Dependência esta que os aproxima do limiar da legalidade, do respeito pela lei e até de uma convivência normal em locais mais próprios do que aquele em que se encontram e que os aproxima de uma qualquer seita que se esconde dos olhares públicos.
É, no entanto, na transformação de "Miguel" que se centram os detalhes mais interessantes deste curioso filme curto pois é através desta que encontramos o expoente máximo da bizarria graças a uma interessante e eficaz caracterização de André Ramos Silva. Desde as manchas que lhe aparecem no corpo passando pela sua própria estrutura que se altera - espinhas em vez de ossos - "Miguel" é um homem prestes a desaparecer transformando-se naquilo que sempre procurou... uma pesca original, ilegal e por demais curiosa: ele próprio. É esta mesma transformação que garante ao espectador os momentos tidos como mais líricos/alucinantes e que o obrigam a entrar num universo totalmente diferente nomeadamente onde conhecemos a agora nova dependência de "Miguel" por espaços onde a água seja uma constante... um lavatório ou uma banheira onde a sua respiração (e sobrevivência) se tornam facilitadas.
O anzol, arma do crime até então muito utilizada por si, surge uma vez mais na sua vida... não da forma como esperaria mas sim por se tornar no instrumento que o condena e que o faz o próximo "petisco" daqueles que até então alimentou.
Pela Boca Morre o Peixe destaca-se de imediato por dois aspectos técnicos que muito contribuem para o lado negro pretendido sendo eles a sua direcção artística pelas mãos de Marta do Vale que transforma todos os espaços - já de si fechados e sem ligações a um qualquer exterior - num aparente aquário de onde não se consegue escapar e que é optimizado graças à já referida caracterização de André Ramos Silva que transforma Miguel Sá Nogueira num ser andante e de guelras.
Finalmente um último destaque ao original argumento que ganha vida graças à notável interpretação de Miguel Sá Nogueira como um homem frio, distante, indiferente e até mesmo desligado da vida - a dos outros - e que se vê a braços com a sua própria extinção preso na ratoeira que ele próprio montou durante anos.
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8 / 10
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