quarta-feira, 16 de abril de 2014

La Prima Neve (2013)

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A Primeira Neve de Andrea Segre é a mais recente longa-metragem do realizador que em 2013 venceu o Prémio do Público e o Prémio do Júri da Festa do Cinema Italiano com a sua obra Io Sono Li, e que agora volta à Festa novamente em Competição.
Dani (Jean-Christophe Folly) nasceu no Togo. Chegou a Itália vindo refugiado e para escapar à guerra civil na Líbia onde se encontrava e reside agora numa casa de acolhimento com tantos outros refugiados e com a sua filha recém nascida. Dani tem um segredo que o atormenta e que o impede de manter uma relação de proximidade com a jovem bebé.
Em Val dei Mocheni, onde agora vive encontra trabalho em casa de Pietro (Peter Mitterutzner), um idoso apicultor que vive junto à sua nora Elisa (Anita Caprioli) e ao seu neto Michele (Matteo Marchel) de dez anos cuja única amizade é o seu tio Fabio (Giuseppe Battiston) revelando uma total rebeldia que o afasta progressivamente da sua mãe agora viúve graças à morte prematura do seu marido, deixando Michele com um sentido vazio pela falta daquele que tão intensamente o marcara.
Dani e Michele estabelecem uma rápida e forte união que parece não poder mudar... até que Dani recebe finalmente os documentos que lhe permitem movimentar-se para fora de Itália e estabelecer a sua própria vida afastando-se de todos os parcos laços que parecia manter.
Andrea Segre e Marco Pettenello são os autores do argumento de La Prima Neve que estabelece uma próxima relação entre o espaço e o indivíduo na medida em que nos obriga a reflectir sobre o poder da transformação e da mudança. A primeira neve é aquela que define a intensidade das cores, dos contornos e das formas dos bosques, das árvores e das folhas que lentamente começam a cair. Aquela que transforma toda uma paisagem verdejante e exuberante em locais pálidos e desprovidos de cor ou de uma identidade, remetendo todos os elementos para uma mesma situação.
É então a partir deste pressuposto que é estabelecida uma relação do lugar/espaço para com o indivíduo sendo esta mesma neve o elemento fundamental que determina também a sua própria transformação e superação dos obstáculos que até então o condicionavam. Se por um lado "Dani" se apresenta como um homem atormentado pela morte da sua jovem mulher e que se vê a braços com uma filha que em tudo o faz relembrar a mesma, não é menos verdade que aos poucos a relação de amizade que estabelece com "Michele" o faz ver que existe uma esperança e um momento em que o seu passado é ultrapassado ainda que seja sempre lembrado de forma dolorosa.
"Dani" nunca viu a neve, sendo esta aqui uma metáfora para a transformação. O mesmo será dizer que "Dani" nunca perspectivou essa mesma transformação e que a sua vida foi uma constante viagem para locais que só lhe trouxeram dor... O seu país onde revela não poder voltar por motivos que não conhecemos mas que suspeitamos estarem relacionados com algum tipo de perseguição, a Líbia de onde teve de fugir graças à guerra civil e finalmente este pacífico local em Itália onde se encontra com a sua filha que o faz recordar um amor perdido de forma irrecuperável. A dor acompanhou a sua viagem e nada, apesar dos diferentes locais em que se encontra, lhe mostram algum sinal de mudança e de dias mais alegres. É, no entanto, a relação de amizade que estabelece com "Michele" que lhe garante que aquele espaço com aquelas pessoas que se calhar não são tão diferentes de si pode ser o local onde sempre pertenceu, ainda que para lá chegar tenha experienciado um longo e tortuoso caminho. A pergunta coloca-se... valerá seguir ou será preferível criar raízes onde aparenta ser bem-vindo?
A perda também tocou "Michele" com a perda do seu pai a quem tinha como um ídolo e a quem admirava. Aquele que lhe deu os primeiros valores e ensinou a tocar acordéon. Foi a sua perda, tal como a de "Dani", que o levou a tornar-se alguém marginal àqueles que o rodeavam e a desejar enfrentar uma série de perigos que o colocavam longe da sua própria segurança e a menosprezar a criação de laços com a mãe ou com a escola, e a manter-se apenas próximo àqueles que, tal como ele, pouco respeitam as regras que lhes são impostas.
É assim desta forma que a relação entre os dois se estabelece, pela perda e pela absoluta necessidade que ambos sentem em, tal como as árvores que os rodeiam por todo o lado, estabelecer raízes que lhes garantam uma ideia e sentimento de pertença, de saber onde estão e para onde, e quem, voltam todos os dias. É através dos seus silêncios que se aprendem a escutar e a perceber as necessidades afectivas e de pertença que as suas trágicas perdas, ambas devido a acidentes, lhes "ofereceram".
Se por um lado Jean-Christophe Folly aparenta ser a força motora de La Prima Neve, não é menos verdade que após os momentos introdutórios a sua personagem esmorece entregando, de forma natural, todo o protagonismo a um jovem Matteo Marchel que poderia muito facilmente ver a sua interpretação recompensada com uma nomeação aos David da Academia Italiana de Cinema. Se Folly nos impressiona com uma raiva e dor contidas e quase asfixiantes, é Marchel que as sente de forma efusiva e explosiva. Ambos complementam-se pela disparidade das suas próprias personagens e, de certa forma, mesclam-se como se de uma só personagem se tratasse. O primeiro um adulto como uma juventude perdida e o último como uma pré-adolescência que o força a tornar-se num adulto e controlar o ambiente que o rodeia.
La Prima Neve vive ainda com a excelência da direcção de fotografia da autoria de Luca Bigazzi que nos coloca no centro de um local exuberante e de cores múltiplas que, no entanto, primam pela não equivalência de sentimentos e de sensações. Se o local capta a nossa atenção pela excelência natural e pela multiplicidade de pequenos detalhes que são realçados pela luz que deles parece emanar, não é menos verdade que com o tempo, e com a neve, os mesmos são dissipados e colocados todos na mesma perspectiva neutral, denotando que é a partir deste momento que podem, finalmente, evoluir.
Andrea Segre volta a impressionar com mais uma sentida homenagem ao local e ao indivíduo, colocando uma vez mais as problemáticas da emigração em debate como já o fizera com o referido Io Sono Li, bem como presta homenagem a Itália e aos seus mais variados locais, uma sentida homenagem pela sua beleza natural e pelo sentimento de pertença que o indivíduo com eles cria mesmo que sejam, à partida, culturas visceralmente distintas.
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8 / 10
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