sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Cheap Thrills (2013)

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Cheap Thrills de E.L. Katz foi até ao momento a grande surpresa do MOTELx - Festival de Cinema de Terror de Lisboa deste ano e constitui um dos mais fortes filmes do género comédia negra que esperei ver até ao momento mas que, por esse mesmo motivos, corre o sério risco de ser considerado como apenas "mais uma" comédia (espero que não!!!).
Craig (Pat Healy) é um outrora brilhante estudante que nunca teve a oportunidade certa na sua vida. A trabalhar numa oficina e com uma vida economicamente complicada, Craig vê-se a braços com cada vez menos dinheiro e as dificuldades a surgiram a um ritmo galopante como uma hipoteca por pagar e dinheiro que não tem. Quando um dia é despedido do seu trabalho e vendo-se assim sem qualquer tipo de rendimento só pensa em beber uns copos e esquecer a mágoa que sente por ver a sua vida falhada.
É então que reencontra Vince (Ethan Embry), um velho amigo do liceu que lhe revela viver de cobranças e de expedientes ocasionais que lhe vão remediando a vida. No entanto a noite estaria longe de acabar e ambos encontram Violet (Sara Paxton) e Colin (David Koechner), um casal abastado e com um humor muito negro prontos para fazer um conjunto de excêntricas apostas e aguardar para ver quem pactua com elas... e quem lhes cede.
David Chirchirillo e Trent Haaga escreveram um argumento que vai muito para além do conjunto de apostas mais ou menos (des)honestas e grotescas com que somos brindados ao longo deste genial e original filme. Se pensarmos bem depois de o ver, esta parte mais cómica apenas surge um bom tempo depois de ficarmos a conhecer a difícil vida de "Craig" que muito rapidamente aparenta desmoronar-se sem qualquer hipótese de resistir aos problemas que lhe aparecem e que, como sinal dos tempos em que vivemos, corre sério risco de perder o seu modesto apartamento e com isso poder ter a sua família separada. Assim, e desde o instante inicial, temos um filme que nos faz parar e pensar sobre a sociedade contemporânea e os seus perigos que espreitam em todas as esquinas. A falta de trabalho e consequente falta de dinheiro, a perda de uma casa e da família e as contas que se acumulam sem dar qualquer descanso ou espaço para respirar estão todos eles presentes em todos os instantes.
No entanto isto não é só... É no momento mais frágil e complicado da vida de "Craig" que as oportunidade, as mais ilícitas claro, surgem e apresentam a facilidade que existe em poder ter e alcançar tudo aquilo que se deseja... Desde as contas pagas a um enriquecimento pouco digno e ilegal bem como alguma segurança, ainda que ilusória, para o futuro são entregues quase de bandeja como uma pequena contrapartida... Para os ter "Craig" terá de jogar a sua dignidade, a sua integridade... esquecer a moral e perder os seus princípios... e acima de tudo esquecer que para poder "ter" ele tem primeiro que abdicar da sua Humanidade entrando assim num perigoso jogo do qual sairá definitivamente modificado.
Assim, a principal análise que deveremos fazer deste filme encontra-se para além de todos aqueles momentos mais bem dispostos, ritmados e com um conjunto de momentos capazes de fazer inveja ao mais macabro filme de terror, e deveríamos sim concentrar a nossa atenção naquilo que se prende com o mais perigoso e susceptível de ser o verdadeiro terror moderno, ou seja, o que a crise, a instabilidade e a falta de segurança económica podem realmente fazer a um indivíduo ao ponto de alterarem radicalmente toda a sua existência física e principalmente psicológica, a qual define verdadeiramente a "morte" do Homem e da sua condição que o diferencia do animal.
A encarnar este "Craig" temos Pat Healy naquela que é uma brilhante interpretação sobre o Homem deste início do século XXI com todas as suas condicionantes que o definem. Quais os seus verdadeiros limites e aquilo que o separa do seu lado mais selvagem ou até onde poderá este homem (qualquer homem) ir para poder manter a segurança segurança económica. Até que ponto está disposto a abdicar dos valores e dos direitos que até então sempre defendeu ou, por sua vez numa abordagem mais fria e crua, como estes o impedem de ser quem ele realmente pode ser. Healy tem a mais profunda transformação ao longo de Cheap Thrills, e consegue mostrar-nos até onde pode ir um homem que, na prática, não tem mais nada a perder e está, por isso, disponível para tudo enfrentando os maiores riscos mesmo aqueles que põem em causa a sua segurança pois sabe que, se não os correr, ela estará irremediavelmente perdida.
Por sua vez, e como seu companheira de desafios, temos um "Vince" de Ethan Embry que funciona, em todos os momentos, como o total oposto de "Craig". Se inicialmente é aquele que tem uma "profissão" de risco onde a sua integridade física está de certa forma sempre ameaçada, e como tal seria aquele disposto a correr o maior risco de todos, Embry interpreta aqui o homem físico que a dado momento é incapaz de cometer "tudo" ganhando assim uma improvável moral que até então desconhecera, ou que nunca quis explorar como risco de expôr a sua própria vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, aquele que demonstra que no mais inesperado ser é capaz de nascer uma consciência que o impede de realizar certas "tarefas".
Enquanto uma dupla centralizadora de toda a acção deste filme, Healy e Embry entregam-nos alguns dos momentos mais hilariantes e inesperados de todo o filme funcionando numa dupla perfeita impossível de antever o funcionamento deste filme sem a presença de um deles.
Finalmente "Violet" e "Colin", o casal interpretado por Sara Paxton e David Koechner mais não são do que uma reflexão sobre aqueles que tendo poder (o económico claro está) determinam o bom funcionamento daquilo, ou daqueles, que pretendem ter por motivos tão fúteis ou ignóbeis como o simples facto de "poderem ter". Movidos por ideais tão absurdos como o poder de uma aposta e de controlo sobre as necessidades alheias, este par consegue ter uma interpretação secundária, mas muito dinâmica, que assusta não pela sua calma e descontracção com que encaram a sua vida, mas sim pelo seu desinteresse ao olhar para a fragilidade de terceiros não com preocupação para com eles, mas com a perspectiva quase mórbida de ver até onde vão por uma nota de cem dólares.
Aqui o humor está para além de uma simples comédia "feel good". A comédia com Cheap Thrills é, tal como o próprio título indica, um conjunto de momentos banais e sem qualquer interesse para quem os paga para além da possibilidade de... os pagar, controlando assim toda a dinâmica dos que precisam e que se encontram na margem de uma sociedade castradora e impiedosa tal como aquela pela qual, infelizmente, atravessamos.
No final, aquilo que este brilhante argumento de Chirchirillo e Haaga nos prova ou que pelo menos nos deveria fazer pensar para além das gargalhadas, é que a comédia é algo secundário em todo o filme, e que apesar de nos fazer rir com um conjunto quase absurdo de momentos, a realidade está de facto na triste condição a que o Homem chega (ou à qual é levado), para poder sobreviver numa sociedade que tem tanto... nas mãos de tão poucos.
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10 / 10
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