sábado, 14 de setembro de 2013

Byzantium (2012)

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Byzantium de Neil Jordan este presente no terceiro dia da sétima edição do MOTELx - Festival Internacional e Cinema de Terror de Lisboa a decorrer no Cinema São Jorge, e constitui a mais recente incursão do realizador irlandês num universo que já lhe é familiar ao adaptar o argumento de Moira Buffini e fazer-nos entrar uma vez mais no universo de um grupo de indivíduos que sobrevive durante século por se alimentarem de sangue humano, vinte anos depois do seu êxito Interview with the Vampire que juntou Tom Cruise e Brad Pitt a uma estreante Kirsten Dunst.
Aqui duas misteriosas mulheres Eleanor (Saoirse Ronan) e a sua mãe Clara (Gemma Arterton), fugidas de um passado que as atormenta, procuram um local seguro para se esconderem de um grupo de homens que as persegue para as eliminar.
Ao chegarem a uma estância balnear, Clara conhece Noel (Daniel Mays), proprietário de Byzantium, uma pensão abandonada onde se instala e encontra forma de lucrar algum dinheiro, enquanto Clara conhece Frank (Caleb Jones), um adolescente por quem nutre uma empatia imediata e a quem conta o seu terrível e obscuro segredo esquecendo por momentos que deveriam manter-se sempre em fuga do seu sombrio passado protegendo assim aquilo que resta das suas vidas.
Moira Buffini adapta o seu próprio conto para este filme de Jordan que apesar de se distanciar de Interview with the Vampire, denota várias semelhanças com a mesma nomeadamente na história cruzada no tempo onde vivemos o filme interligando as diferentes épocas temporais pelo qual a narrativa se desenvolve obtendo assim aos poucos todos os elementos que constituem a dramatização da mesma. Assim, se por um lado iniciamos esta história em pleno século XXI, não é menos verdade que tudo aquilo que temos como adquirido nesta época é já um reflexo daquilo que acontecera às suas personagens há mais de duzentos anos.
Nos dois títulos temos um par protagonista, e se na obra dos anos 90 é masculino, aqui temos duas protagonistas que dominam o ecrã sendo que aqui as duas vivem num misto quase contemplativo dos momentos pelos quais passam sem criarem grandes, ou quaisquer, laços com os mesmos mantendo-se sempre em movimento para manter a sua ideia de segurança. Vivendo sempre numa eterna viagem que as faz esquecer os locais pelos quais passam "Eleanor" e "Clara" são duas mulheres que vivem não com uma benção mas sim com o fardo de terem vida eterna sendo que foi esta dádiva a mesma que as salvou de uma vida de doença e morte prematura que as esperava graças à sua vida de miséria de outros tempos. No entanto, tudo tem um preço e para escaparem à sua própria extinção têm de, em contrapartida, suavizar a morte daqueles que respiram o último fôlego garantindo-lhes assim uma leve e tranquila passagem para outro mundo. E é exactamente neste tópico que para mim reside a maior genialidade deste filme, do argumento de Buffini e da inteligente direcção de Neil Jordan ao abordar muito dignamente uma temática que é ainda muito controversa e sensível como a eutanásia.
Ao contrário daquilo que normalmente assistimos neste género de filmes, nos quais temos os protagonistas a interpretar um conjunto de seres que vagueiam pelas noites e pelo tempo numa incansável caça pelo sangue que os alimenta e dá continuidade, aqui as protagonistas apenas o fazem como uma penitência que paga a sua extensão de vida, ou seja, elas de facto alimentam-se de sangue que lhes garante essa existência mas apenas daqueles que já de si vivem o seu último fôlego, retirando-lhes a vida de uma forma tranquila, quase piedosa, e sem qualquer tipo de violência ou comportamentos selváticos. A morte, para elas, não é uma forma de viverem mas sim uma forma de garantirem aos demais, apenas àqueles a quem sentem ter chegado a sua hora, uma forma de abandonarem dignamente uma vida que já não lhes irá garantir qualidade. No fundo, a mesma penitência pela qual as próprias foram de encontro à sua própria morte, ou por outras palavras, à forma como tinham de continuar a vida digna que "em vida" jamais iriam ter. Se repararmos, apenas existe morte violenta para aqueles que ou as ameaçam na sua própria segurança ou então para aqueles que ameaçam expôr a sua condição. Para todos os demais ela, a morte, chega tranquilamente, pela calada de uma qualquer noite no silêncio de uma casa deserta, e em todas as situações nas quais poderiam tirar partido das desvantagens dos mais frágeis afastam-se como se a sua presença constitui-se uma violação da integridade dos demais. A morte para estes chega como amiga... o último conforto e a tranquilidade assegurada para uma nova dimensão.
A das vida a esta história temos as notáveis interpretações de Saoirse Ronan e Gemma Arterton  que interpretam por um lado a inocência e sua consequente perda, e por outro o espírito de sacrifício e de sobrevivência que está inerente a todos os humanos, ou àqueles que já o foram, criando uma dinâmica silenciosamente frenética entre as protagonistas e as demais personagens que com elas se cruzam.
Ronan assume-se cada vez mais como um rosto para o futuro, já o é no presente, e que aos poucos se transforma numa segura e forte actriz protagonista capaz de tomar pelo pulso todos os filmes em que participa enquanto Arterton confirma que consegue aliar o seu lado mais sensual e de femme fatale a uma personalidade de mãe protectora que, ainda assim, coloca a sua própria sobrevivência à frente de qualquer sentimentalismo que a possa derrubar sendo capaz de tudo para se manter em segurança. As duas complementam-se e estranhamente conseguimos encontrar elementos com os quais nos identificarmos para lá do mais sinistros que possam parecer, e apesar de viverem com o mesmo dilema dos protagonistas de Interview with the Vampire que colocam uma como caçador/a (Cruise/Artenton) e a outra enquanto presa (Pitt/Saoirse), sabemos que estão também elas apenas à procura de uma companhia para atravessarem o passar dos tempos mas estas longe de um qualquer ritual de caça como aquele que está presente na obra do século passado.
No entanto se a dinâmica narrativa e interpretativa deste filme é por si já cativante, ele é também um desafio tecnicamente fascinante graças a uma direcção de fotografia de Sean Bobbit, que já nos presenteou com os magníficos Shame e Hunger, colocando-nos aqui como uma presença externa que a tudo assiste ao mesmo tempo que transforma todo o ambiente num espaço quente e vibrante como a própria essência de um apagado e quase abandonado Byzantium, pensão onde as protagonistas encontram uma estranha redenção entre ambas e para com o seu passado comum que determina e justifica não só o mesmo como as escolhas que nele fizeram para garantir a sua continuidade.
O espanhol Javier Navarrete é também um dos trunfos deste filme conseguindo entregar e colocar uma quente e sedutor música numa fria Inglaterra, envolvendo-nos assim numa história de época ao mesmo tempo que nos coloca neste século que agora atravessamos com sonoridades típicas de cada uma sem que os dois momentos se atropelem ou se confundam.
Finalmente, e para além do distinto guarda-roupa de Consolata Boyle, há ainda que fazer a devida referência à direcção de arte de Simon Elliott, Bill Crutcher e Martin Goulding que dão a cada elemento e espaço um toque especial como se o espectador se sentisse parte daqueles momentos e locais sendo, na sua maioria, leves apontamentos de uma memória perdida no tempo. Tudo está lá naquele preciso momento mas, a certa altura, sentimos como se fossem apenas meras representações daquilo que outrora haviamos imaginado.
Byzantium é assumidamente um filme diferente do género "vampírico" que nos seduz pela sua originalidade e composição cinematográfica e que felizmente se distancia dos inúmeros filmes que têm passado pelos ecrãs nos últimos anos que mais não são do que histórias menos consistentes unicamente desenhadas para atrair milhares às salas não se preocupando com a qualidade do que é contado.
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"Eleanor: My story can never be told."
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8 / 10
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